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Esse post surgiu da colaboração com as pesquisadoras Hetiene Pereira Marques e Joelma Fernanda Silva Carneiro do Canal Ciência do IBICT (Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia). A equipe do Canal Ciência está com um projeto super interessante de divulgação ciêntífica para estudantes de ensino fundamental e médio. Esse projeto consiste num podcast, programa online em forma de áudio, com um convidado cientista.
Nesse podcast conversaremos sobre a minha pesquisa dentro do campo da Bioinformática. Como eu sei que essa não é uma área muito conhecida fora da academia, respondi alguns questionamentos básicos:
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O que é Bioinformática?
Bioinformática é uma área relativamente nova da ciência, que aplica técnicas de ciência da computação, estatística e matemática em problemas de natureza biológica, incluindo biologia, agronomia e medicina.
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Quem faz Bioinformática?
Bioinformática é uma área multi-disciplinar por natureza. Bioinformatas são os profissionais mais tradicionais, que tiveram alguma formação formal em Bioinformática (Graduação ou Pós-Graduação). Eles têm conhecimento de nível superior básico tanto em áreas biológicas quanto em áreas de exatas, como programação. Também trabalham em Bioinformática profissionais de áreas diferentes, mas afins, como biólogos computacionais ou teóricos, agrônomos, engenheiros florestais, cientistas ou engenheiros da computação, estatísticos, matemáticos, físicos, entre outros.
A comunicação entre colegas cientistas é fundamental para a realização de bons projetos. O Bioinformata estuda constantemente, tanto em livros texto das ciências já citadas quanto em trabalhos recentes de outros grupos de pesquisa em formato de artigos científicos (semelhantes a artigos de jornal). Estudar inglês é fundamental, já que quase todos os artigos científicos importantes são publicados em revistas de língua inglesa. Inglês é a língua oficial da ciência moderna.
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Para que serve a Bioinformática?
Essa ciência é fundamental atualmente. Com o desenvolvimento e barateamento de tecnologias de sequenciamento, a quantidade de dados biológicos disponível é absurdamente grande. Esses dados não podem mais ser analisados de formas tradicionais, e requerem técnicas robustas de programação e estatística. Em essência, a Bioinformática processa e analisa dados biológicos e nos ajuda com isso a compreender melhor qualquer sistema biológico que tenha disponíveis dados computacionais, como sequências de DNA ou proteínas.
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Por que a Bioinformática é importante?
Com um exemplo extremamente atual, temos a pandemia de COVID-19 (Coronavírus). Sem o sequenciamento rápido de genoma e sua análise, teria sido extremamente difícil e demorado entender como o vírus funciona, o que teria certamente agravado a situação. A Bioinformática está oferecendo agora um suporte fundamental para médicos, políticos e administradores, de forma que eles possam implementar melhores políticas de contenção e controle. Se você quiser saber mais sobre esse assunto, leia esse artigo que escrevi sobre o sequenciamento do coronavírus.
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Quais habilidades pessoais e técnicas é preciso ter para ser um Bioinformata?
O Bioinformata é curioso e estudioso por natureza. É preciso também gostar de aprender, de colaborar com outras pessoas e de aceitar as diferenças de outros pesquisadores e de outras áreas, o que não é sempre fácil. Não é preciso ter uma habilidade natural em ciências ou matemática, embora isso ajude. É possível aprender todo o necessário com esforço e persistência. Ter um ou mais mentores é fundamental, já que seria extremamente difícil aprender essa ciência sozinho. Como comparação, é só imaginar aprender Biologia ou Computação sem um ou mais mentores.
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Onde se pode aprender Bioinformática?
Até onde eu sei, não existe ainda nenhum curso superior (Bacharelado), em Bioinformática no Brasil. Existem porém diversos cursos de pós-graduação strictu sensu de Mestrado e Doutorado voltados para essa área. Eu por exemplo, estudei Biologia (Bacharelado) na graduação, fiz um projeto de iniciação científica em Bioinformática e depois cursei o Mestrado no Laboratório de Bioinformática do Programa de Pós-Graduação em Biologia Molecular da Universidade de Brasília.
Para aprender Bioinformática, eu sugiro o caminho mais tradicional que é o de estudar Bacharelado em Biologia ou Ciência da Computação, dependendo das suas inclinações pessoais. Se como eu, você é apaixonado por entender como a vida funciona, foque em Biologia primeiro. Mas se você gosta mais de matemática e lógica, siga primeiro na Ciência da Computação ou similares (como Engenharia da Computação ou até mesmo Estatística ou Matemática). Depois desse início no Bacharelado, você precisa se especializar e aprender coisas da outra área. Para isso eu recomendo a Pós-Graduação em Bioinformática (Mestrado ou Mestrado e Doutorado).
Pesquisa: SSS-test (Teste de Seleção de Estrutura Secundária)
Uma das pesquisas que eu desenvolvi no meu Doutorado foi numa questão fundamental de biologia evolutiva: o que nos diferencia de espécies evolutivamente próximas, como os chimpanzés.
Mais detalhadamente, eu queria descobrir quais moléculas do nosso corpo tem funções humano-específicas, ou seja, funções que não existem da mesma forma em outras espécies. Por exemplo, funções cognitivas, como fala articulada, criatividade e linguagem. Para isso, devemos estudar famílias de genes de primatas e descobrir quais genes tem funções humano-específicas. Por exemplo, já era conhecido antes da minha pesquisa que a proteína FOXP2 existe em humanos e outros primatas, porém, tem mutações humanas que auxilia na habilidade da fala. Outras espécies próximas aos humanos, como chimpanzés ou gorilas não tem habilidade de fala. Eu estudei moléculas (genes) semelhantes à proteína FOXP2.
Fonte: William Warby, Flickr
Genes podem ser classificados em dois grandes grupos: proteínas e RNAs não codificadores (ncRNAs). No meu trabalho eu foquei nos ncRNAs. Primeiro eu desenvolvi um programa de computador chamado de SSS-test (teste de seleção de estrutura secundária). Esse programa é o primeiro programa da comunidade científica mundial capaz de analisar famílias de ncRNAs e reportar seu grau evolutivo.
Podemos dar ao SSS-test um gene e ele nos diz se esse gene tem funções específicas em humanos. Como um exemplo temos o gene da figura abaixo, que tem uma estrutura específica em humanos. Eu analisei com o meu programa SSS-test 15 mil genes de primatas e encontrei um pequeno grupo de 110 ncRNAs com sinais humano-específicos (um desses genes é esse da figura abaixo).
Como eu fiz isso? Primeiro, construí um algoritmo (conjunto de regras) com os seguintes passos:
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(i) recebe como entrada os genes de ncRNAs;
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(ii) detecta as diferenças entre as espécies, e;
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(iii) constrói modelos estatísticos de funções espécie-específicas.
Depois de definir essas regras, eu usei programação para construir o programa. Dessa forma, pude traduzir minhas ideias teóricas numa linguagem que o computador entende e processa.
Com o programa, analisei 15 mil genes de ncRNAs de primatas e encontrei 110 genes com sinais humano-específicos. Alguns deles estão ativos no nosso cérebro, o que pode levar a descobertas futuras ainda mais intrigantes sobre o que nos torna humanos. Outros grupos de pesquisa irão usar os conhecimentos que eu gerei nesse projeto para responder a mais perguntas, como por exemplo que funções exatamente são feitas por esses 110 genes.
Com esse projeto eu consegui aumentar o nosso conhecimento acerca do que nos define como espécie. Essa é uma pequena contribuição que monta um pedaço desse quebra-cabeças gigante que é “o que nos torna humanos”. Esse é um exemplo que mostra como a ciência é colaborativa atualmente.
A minha principal contribuição com esse projeto foi desenvolver o programa SSS-test de análise evolutiva de genes. O meu programa pode ser usado para estudos evolutivos de outras espécies, tanto mamíferos, quanto plantas ou fungos. Isso ajuda outros pesquisadores a entender como as espécies funcionam. Isso é fundamental para o desenvolvimento científico e é chamado de ciência básica.
Referências:
Maria Beatriz Walter Costa, Christian Höner zu Siederdissen, Marko Dunjić, Peter Stadler e Katja Nowick. SSS-test: a novel test for detecting positive selection on RNA secondary structure. Publicado na Revista Científica BMC Bioinformatics em 2019.
Katja Nowick, Maria Beatriz Walter Costa, Christian Höner zu Siederdissen e Peter Stadler. Selection Pressures on RNA Sequences and Structures. Publicado na revista científica Evolutionary Bioinformatics em 2019.
Maria Beatriz Walter Costa. Programa de computador SSS-test. Publicado em 2019.